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BOLSONARO E O BOLSONARISMO

Atualizado: 11 de abr. de 2021

Passados dois anos da ascensão de Bolsonaro ao poder e mais de 300 mil vidas de brasileiros perdidas para a Covid-19, sem que até o momento as autoridades do país tomem uma providência para apurar a responsabilidade dessa figura nefasta, é inevitável constatar: pior que Bolsonaro é o bolsonarismo.

Fenômeno que começa com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, e se estende até os dias atuais, o bolsonarismo tem contaminado pessoas e instituições, acrescentando uma nota de suspeita em todos os seus atos, pois suas ações, desde então, tem sido contaminadas pela paixão. Paixão no sentido do paroxismo dos afetos que leva as pessoas a pensarem e agirem de forma cega em uma determinada direção.

Nesse sentido, podemos dizer, então, que o começo do bolsonarismo retroage no mínimo 2 anos, com o início da operação Lava Jato e suas práticas judiciais heterodoxas do prendo e arrebento com que se levavam de forma espetaculosa as pessoas às masmorras de Curitiba. Prática esta capitaneada por um juiz, não à toa apelidado de russo por conta dos métodos soviéticos de operar – no sentido literal e sem anestesia - o direito e por um procurador dócil e conivente a esses métodos. Refiro-me ao juiz Sérgio Moro e ao procurador da República, Deltan Dallagnol e sua equipe.

Métodos esses que, com o apoio da grande mídia, especialmente da maior delas, das Organizações Globo, transformou a operação Lava Jato no ninho onde o ovo da serpente foi chocado, pois tais métodos, em nome de determinados fins, especialmente do combate à corrupção, inauguraram toda sorte de abusos contra os direitos e garantias dos investigados e dos réus.

Foi dessa forma que foram decretadas buscas e apreensões espetaculosas nas casas dos investigados nas primeiras horas da manhã, com prévia combinação com órgãos de imprensa, para os devidos registros e achincalhe da imagem das pessoas; conduções coercitivas sem a prévia intimação para depor espontaneamente; prisões preventivas estendidas ad aeternum para obrigar os investigados e réus a confissões e delações conduzidas de forma conveniente para atingir a este ou àquele investigado; colaboração com órgãos estrangeiros de investigação ou de persecução penal ao arrepio da lei; escutas clandestinas de investigados, além do legalmente autorizado e dos defensores desses, em ofensa aos mais elementares princípios dos direitos dos acusados; combinação entre juiz e acusação das estratégias acusatórias e destes com as instâncias superiores para obter um determinado objetivo. Enfim, uma série de procedimentos que violentaram os mais comezinhos princípios do devido processo legal, da presunção de inocência, da imparcialidade do juiz e da paridade de armas entre defesa e acusação que deve vigorar no processo penal. Violações estas todas devidamente ignoradas pelos órgãos da imprensa no seu empenho em fomentar o ódio e a sanha punitivista da sociedade.

Em suma, a operação Lava Jato preparou a sociedade para o bolsonarismo porque incutiu nela a ideia de mandar às favas os direitos e as garantias individuais, elegendo a bandeira do combate à corrupção como um valor absoluto, em nome do qual fosse possível cometer toda sorte de abusos e ilegalidades.

E o que acontece quando se abole os direitos e as garantias do ordenamento jurídico é a barbárie.

Há, contudo, que se atualizar o conceito de barbárie, não podendo mais esta ser meramente caracterizada, nas sociedades modernas, como o homem em estado de natureza, de todos contra todos e cada um por si, mas sim pela ideia - o que a aproxima da sociedade totalitária - da eliminação do diferente, na busca por uma sociedade planificada onde aquele que não pensa igual aos demais é visto não mais como um adversário, político ou ideológico - característica fundamental das sociedades democráticas, onde mais do que a busca pelo consenso o que se preza é o respeito ao dissenso – mas como o inimigo a ser eliminado.

Foi dessa fonte que o bolsonarismo bebeu e ganhou corpo na sociedade quando esta, embebida em ódio, começou a dar ouvidos ao discurso radical do obscuro deputado que há 30 anos pregava justamente isso: que não havia solução para o país na democracia. E foi justamente com esse discurso, de apologia ao uso da força no lugar do diálogo para solução de conflitos, do desprezo pelos direitos das minorias, do meio ambiente, do conhecimento, das artes e da ciência e de culto às armas, que Jair Bolsonaro se elegeu.

Hoje, diante da maior crise sanitária que o país já viveu, estamos vendo ao que esse discurso nos conduziu: a um país com o maior número de mortos, proporcional, do mundo! Sendo que grande parte desse número poderia ter sido evitada com medidas relativamente simples como o alinhamento dos governos federal, estaduais e municipais no combate ao vírus; instituição de um auxílio emergencial digno para as pessoas poderem ficar em casa quando necessário a decretação de lockdowns; campanhas publicitárias de conscientização das pessoas da gravidade da doença e das medidas adequadas de profilaxia, tais como o uso de máscaras, a higiene das mãos e o distanciamento social e, por fim, a urgência em adquirir toda vacina disponível no mercado. Medidas, todas estas, sabotadas pelo governo desde o início da pandemia, disseminando o caos na sociedade e a guerra desta contra os governadores e prefeitos, aparvalhados com a situação, decretando medidas descoordenadas e parciais no enfrentamento da doença, o que só acaba por reforçar o discurso do genocida que ocupa o Planalto que tais medidas são inócuas para combater o vírus.

Não obstante, Bolsonaro ainda consegue gozar de um número de apoiadores surpreendente nesse cenário e a conivência de autoridades e setores da sociedade chaves para detê-lo em seus nefastos propósitos.

Seja através da liberação de verbas para o Congresso Nacional, seja com o aceno da cadeira do Ministro Marco Aurélio Mello, no STF, o qual se aposenta em julho desse ano, para o procurador da República, para o Ministro Noronha, do STJ e para seu sabujo-mor, André Mendonça, ora na função de Ministro da Justiça, ora na função de Advogado-Geral da União, Bolsonaro consegue se blindar contra as tentativas da oposição de emplacar um processo de impeachment ou de CPI, no Congresso e contra ações penais, no STF (cuja prerrogativa para propor cabe ao Procurador da República). Sem falar da perseguição que promove contra adversários através da proposição de ações com base na Lei de Segurança Nacional, conduzidas pelo sabujo André Mendonça.

Por outro lado, o recrudescimento da pandemia e o atraso na vacinação inibe manifestações de rua contra o Presidente.

Com isso, Bolsonaro consegue se manter no poder, com o beneplácito ainda de setores do empresariado que veem na sua gestão a oportunidade de tomarem um naco do Estado, através das privatizações, a preço de banana.

Assim, o bolsonarismo que contaminou a sociedade e que Bolsonaro teve apenas o mérito de encarnar toda a perversidade do fenômeno é o grande responsável pelo caos na saúde pública do país e pelas milhares de mortes provocadas por essa pandemia, pois é o bolsonarismo de uma parcela da população, de setores da sociedade e do Estado que dão sustentação à política genocida do Presidente. Ele não teria conseguido fazer sozinho o que está fazendo. Há ainda uma grande rede de apoio a essa política que, no entanto, começa a se tornar insustentável, dado o número crescente de mortos pela pandemia. Está cada vez mais difícil esconder o número de cadáveres que ela gerou.

O fato, contudo, é que o bolsonarismo trouxe à tona o quão cruel pode ser a sociedade brasileira e quão profundas são as raízes dos preconceitos e ódios: de classe, racial, contra as mulheres e os LGBTs; contra o meio ambiente, a cultura e a ciência; contra o direito dos trabalhadores e as instituições democráticas.

Ponhamos, pois, nossas barbas de molho: Bolsonaro vai passar, mas o bolsonarismo não. Ficará aí, ainda muitos anos, fermentando nos subterrâneos da política e da sociedade, só esperando uma nova oportunidade para extravasar no meio da rua por obra e graça de um novo Sérgio Moro ou de um Bolsonaro, disposto a abrir a tampa dos esgotos.

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