ALGO DE NOVO - E PREOCUPANTE - NO FRONT DA GUERRA CULTURAL
- 4 de mai. de 2023
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Assisti pela segunda vez o filme Nada de Novo no Front (em alemão Im Westen, Nichts Neues). Uma antes de ler o livro, outra depois. Precisava tirar a dúvida se o viés político que o diretor deu ao filme para contar a história que se passa durante a 1ª Grande Guerra constava do livro ou não. Livro escrito pelo escritor alemão Erich Maria Remarque e publicado apenas 11 anos após o fim do conflito, em 1929.
Para minha surpresa e preocupação, descobri que não.
O viés político adotado pelo diretor para contar a história não consta do livro, o qual tem o formato quase de um diário de guerra, sem que o protagonista entre em qualquer tipo de consideração política sobre os motivos e propósitos do conflito. Já nessa primeira versão cinematográfica alemã da história de Remarque – as outras duas são americanas, uma de 1930 e outra de 1979 - o diretor e roteirista Edward Berger opta por uma narrativa cujo fio condutor são as negociações de paz travada entre os altos comandos da Alemanha e da França, tendo como pano de fundo a carnificina que se desenvolvia nos campos de batalha.
Conhecida como uma guerra de trincheiras, a 1ª Guerra Mundial foi uma guerra de violência brutal e é sob a estética da violência absurda e sem sentido, que o diretor constitui o pano de fundo sobre o qual se desenvolvem as negociações de paz, entre uma Alemanha boazinha, preocupada com as baixas que ocorriam nos campos de batalha e uma França malvada, arrogante e indiferente à carnificina. França que impõe suas condições de paz, a rigor uma capitulação total da Alemanha, dando a delegação alemã apenas 3 dias para aceitar seus termos, sem qualquer possibilidade de discussão. Premido pelas circunstâncias e a derrota iminente, a delegação acaba aceitando as condições impostas, tendo como cenário – e esse é o principal motivo das minhas preocupações – aquele que viria se tornar justamente um símbolo da supremacia nazista sobre a França durante a 2ª Guerra Mundial: o trem onde as negociações ocorriam. O mesmo local onde anos depois Hitler faria questão de impor as suas condições à França derrotada. Cena essa, que a meu ver, ofusca todo o filme, já que sendo a primeira versão alemã da história, contada com raro realismo e maestria por Remarque, ele mesmo um veterano de guerra, é carregada de um forte simbolismo, a ponto de a sensação que tive ao assistir ao filme pela primeira vez, que este se prestava a uma justificativa do que viria acontecer depois.
Estaria o diretor imbuído desse espírito e consciente do efeito que produziria ao dar ênfase a essa cena, em detrimento da história contada por Remarque? A pergunta se impõe porque, sendo uma obra baseada em outra, não há no livro qualquer menção às negociações de paz que se travavam entre os altos comandos, muito menos alusão ao trem de Compiègne onde os termos do acordo de paz seriam assinados. Nem poderia ser diferente, pois se assim fosse, além das inegáveis qualidades literárias que o livro tem, Remarque poderia ainda granjear a fama de visionário, dado que o livro foi publicado em 1929, nada mais, nada menos do que 11 anos antes da rendição da França perante a Alemanha nazista, em 22 de junho de 1940, muito antes, portanto, de o famigerado trem adquirir o simbolismo que passaria a ter depois da vingança de Hitler. Ou seja, a linha adotada pelo diretor para contar essa história é de sua exclusiva responsabilidade.
Considerando ser esta a primeira versão alemã da história e a projeção que o filme ganhou, após ser premiado na cerimônia do Oscar de 2023, com a estatueta de melhor filme estrangeiro, causa preocupação que o diretor tenha optado por uma linha narrativa que funciona quase como uma justificativa para as atrocidades, em escala ainda muito maior, que viriam a ser cometidas depois. Afinal, Hitler também foi um veterano de guerra e assim como muitos dos personagens retratados no filme também sofreu seus horrores. É inevitável essa associação quando o diretor conjuga as duas narrativas: a dos horrores nos campos de batalha com as negociações de paz, conduzidas de forma implacável pelos franceses. Para quem conhece a história, uma versão muito perigosa, sobretudo nesses tempos de ascensão da extrema direita em todo mundo, inclusive na Alemanha, servindo a concessão do Oscar, prêmio máximo da Academia de Artes e Ciência Cinematográficas Americana, como um selo de qualidade, validador dessa versão enviesada dos fatos.
Não teriam os membros da Academia se dado conta do simbolismo por trás das cenas do trem, onde anos depois, Hitler infligiria aos franceses a sua vingança pelos horrores da 1ª Guerra? Ou a Academia teria feito vistas grossas para essa versão subvertida do livro de Remarque, dado as contradições dos EUA, também ele às voltas com as investidas da extrema direita?
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